O DNA DE MINHA POESIA

MARIA DO SOCORRO RICARDO

VOVÔ ANTÔNIO RICARDO


Vai, vovô Antônio Ricardo,

Lajegrande o verá crescer.

Coleciona o canto do tico-tico,

do jacu-da-catinga, do cardeal.

Vai, vovô Antônio Ricardo,

Lajegrande tem sede d’ocê.


A CASA ONDE EU MORO


Abriga uma torneira que

por engano é água-picolé.

A água congelou a lágrima.


PROSOPIS JULIFLORA


enoitece

anoitece mais um ano

anoitece mais um ano na velocidade do tempo enquanto o tempo renasce em outro tempo uma época de serras e ladeiras cobertas de pedras brancas que reluzem durante as horas de sol e algarobeiras criadas no semiárido nordestino que se enchem de prosopis juliflora e os prédios de vidro realumiam as luzes dum natal tardio e temerário Santana do Ipanema que estende os seus braços e as suas pernas no globo universal e extravasa o sistema solar e chega a outras novas galáxias das quais eu admiro Santana do Ipanema deste prédio de luzes e mar

de luzes e mar

de mar

d’amar


UMA VIAGEM À GALÁXIA DA LEMBRANÇA


Esqueci a minha infância

Vou voltar a reler

As minhas lembranças

Ir buscar no fim do mundo

Todos os meus segredos

Todos os meus segundos

E nunca mais esquecer.


AH ESCOVA


Criou asas. Onde

a guardei escova?

Na escrivaninha

Não estava no fogão,

Nem no armário da sala,

Não a vi atrás do portão.


AS ASAS

As asas são silentes e quase não dizem a que vêm estas mesmas asas que protegem do frio da indiferença; acalma o reclamar das pedras e o sussurrar da vegetação no quintal.


O LUAR

Estamos hoje reunidos, solenemente, para redigirmos o tratado das estórias de Trancoso no comisero papel dos alfarrábios perdidos entre as gavetas com os talheres para tortas.


A EDUCAÇÃO CRÍTICA

Primeiro dia de aula. Eis um sinal, sinal-chuva para umedecer o dia de pesado fardo e, da janela, multidões de catadores à cata de sonhos arrastam carrinhos de supermercados.


A FESTA

Ouvidos do inseto doméstico escondem multidões de novidades e zunem de cômodo em camaradas à noite como as traquinagens de um copo sobre a mesa numa natureza morta.


O DNA DE MINHA POESIA

Os sinos falam coisas como vogais e constantes numa tentativa de se comunicarem quão os passos nas escadas de madeira que esmagam o silêncio.


PLANTANDO LIVROS NO JARDIM


Onde colocar o livro?

Será na lua onde ficará

Ou no edifício do teatro

Seguindo aquela avenida?

Onde deixo este livro

Que acabei de reler?

Vou ao deserto viajar,

Ir atrás dos mistérios.

Onde o deixarei, Sr. Livro?

Aqui bem perto, quem sabe;

Talvez na biblioteca das ruas;

Sem dá a volta ao mundo,

Sem atravessar meu jardim.