PEQUENOS ESCUROS DE MUSEION


PEQUENOS ESCUROS DE MUSEION

Estes são os pequenos escuros de Museion escritos numa madrugada invernal e silente. Clio me saíra uma boa contadora de histórias. De longe surgem as cores altas sobre janelões e portais da Escola de Poesia, que se abre aos alunos seis da matina. A professora Calíope, simpática em um caminhar ligeiro de fábrica, fala sobre a análise como decomposição partida em constitutivos elementos. A professora Clio, historiográfica, difere de Calíope, que é mais eloquência:

O sol sobre a cidade esclareceu os pequenos escuros

Trazia o sol os sonhos nas mãos q’escorriam entre dedos

Os homens que a abandonaram voltam lerdos, escusos

Nos túmulos de açúcar mascavos adormecidos e mudos

Assanhavam-se abelhas, marimbondos, mamangavas

Cuidado povo que ficou pra súbito não ser esmagado

Voam as ideias e os ideais políticos com etílica fome

Um sugere que a rua seja do povo como o céu é do urubu

Outro prefere que o beco seja o abrigo dos sábados

A lua sobre a cidade de repente muda as suas cores

Os homens voltaram cheios de desconfianças, temores

Fazem política num banco de praça habitat de pombos

Soltam bolas de sabão de suas bocas, hálitos de cachaça

Ardem por mudanças ilusórias q’escapam entre os dentes

Veem as estrelas brilharem no firmamento como ontem

Doentes, como são fracos e pobres em seus caminhares

Desejam pra cidade quimeras, ilusões, engodos e mentiras

Derretem-se de inveja porque são miúdos em seus pensares.

Erato e sua lira, Euterpe, alegre e musical. Para se comentar um poema, como esse do enunciado, PEQUENOS ESCUROS DE MUSEION, tem a análise, tem a interpretação, têm os procedimentos básicos, a primeira leitura, a autoria, a data, as indicações bibliográficas, o texto em si, o título, a forma, a época, a leitura de contato, o vocabulário, o gênero, a leitura interna, o estudo do léxico, o assunto, o tema, o subtema, a estrutura do texto, as imagens, os ritmos, a sonoridade.

Muda o dia com as tragédias de Melpômene.

Polínia, em um canto, sentada entre livros, respira o ar quente aprisionado na cadeia de serras e serrotes que circundam a cidade de Santana do Ipanema. Como alguém pode escrever sobre homens que voltaram cheios de desconfianças e temores?

A professora Terpsícore, como musa da dança, diz aos alunos de Poesia que a aula vai começar. E depois que eu fechar a porta da sala, não aceitarei mais abelhas, marimbondos e mamangavas.

Terpsícore teve uma infância difícil: trabalhava durante o dia para estudar à noite, sem tempo para risos e brincadeiras. A prima Melpômene olhava-a com cara de tragédia. Talia, cômica, ria de ambas e nem dava importância se as aulas de poesia iam começar. Urânia abraçava as serras das cercanias dizendo que a lua sobre a cidade de Santana do Ipanema de repente muda de ares. A poeta Melpômene é surpreendente e nunca mais foi ao dentista.

Euterpe foi morar defronte ao cemitério. Vocês não sabiam?

Que bela voz tinha Calíope!

A amável Erato nunca mais lavou um prato.

Os hinos de Polímnia são plurais.

Santana do Ipanema é memória. Santana não é singular, é plural.

Os jardins que Talia fazia, faziam brotar flores.



(MARIA DO SOCORRO RICARDO)

história do poema de 1985