A RUA DA ESCRITORA É UMA RUA DE SOL


Dona Lu (Iluminata Farias Ricardo)


Parteira santanense Maria Cavalcanti,
avó materna de Zezito, marido da escritora,
foi a parteira de Maria do Socorro Ricardo.


Santanense Estellita Barros Farias, tia materna da escritora
Maria do Socorro Ricardo.


Professora santanense Júlia Alves Farias, avó materna da escritora Maria do Socorro Ricardo. Professora Julinha dava aulas de violão e tocava e cantava na Igreja Matriz de Senhora Santana. Casada com o comerciante santanense Misael Alves Farias. Misael e Júlia eram pais de Estellita Barros Farias, Aristhea Farias e Iluminata Farias Ricardo - Lu -, mãe de Maria do Socorro Ricardo.


mãe da escritora Maria do Socorro Ricardo - Iluminata Farias Ricardo (Lu Ricardo)


Família da escritora Maria do Socorro Ricardo:
Zezito, casado com Maria do Socorro Ricardo, a escritora,
os seus pais Lu - Iluminata Farias Ricardo, enfermeira aposentada,
e o maestro santanense José Ricardo Sobrinho.



MEU MACEIÓ, MEU MACEIÓ, MEU MACEIÓ


MARIA DO SOCORRO RICARDO


Não há injustiça nem violência em meu Maceió:

Meu Maceió não têm prédios altos
habitados por príncipes e princesas,
têm areias brancas e coqueiros gogós-da-ema;

meu Maceió despossui favelas, casas feias,
possuem sonhos ecológicos, casas mágicas;
meu Maceió não existem analfabetos
nas ruas de Jorge de Lima, de Jorge Cooper;
meu Maceió vende no supermercado

bumbas-meu-boi, reisados e pastoris encantados.

Pontes de Miranda não deixa, não permite rixa,
não deixam as palavras do velho Aurélio Buarque.
As lagoas, os bairros cheios de ônibus espaciais


que viajam entre as estrelas, as galáxias;
meu Maceió tem um bairro cheio de sacis musicais,

outro cheio de sereis e centauros marcianos;


nas lagoas moram mães-dágua rendeiras com seus bilros
que não deixam faltar roupas pros povos alagoanos;
não há cemitérios, porque aqui ninguém morre.

Meu Maceió não têm prédios altos e olhar pince-nez




habitados por príncipes e princesas (...) que veem o mundo



Escritora Maria do Socorro Ricardo com seu filho Marcel

O SILÊNCIO
Corre criança e revela o que dizem os olhos dos insetos com seu brilho característico de briluz, como se anunciasse um jaguadarte que se desprende das páginas verdes do livro.
(MARIA DO SOCORRO RICARDO, 1987)


ESCUTO O RECLAMAR DA GRAMA
Este frenesi que corre nos cantos da sala é idêntico a vontade que não se expressa por palavras e apenas em gestos admira o firmamento preso aos olhos do gato.
(MARIA DO SOCORRO RICARDO, 1987)



ANOITECEU
Ontem anoiteceu na sala de aula, no lugar sagrado da aprendizagem e a luz das estrelas não alcançara o interior do conhecimento profundo escondido dentro de

uma agulha. (MARIA DO SOCORRO RICARDO, 1987)


Ontem, no lugar sagrado da aprendizagem, no interior do conhecimento acumulado, as palavras fecundaram-se em livros. (MARIA DO SOCORRO RICARDO, 1987)




A RUA DA ESCRITORA MARIA DO SOCORRO RICARDO





A RUA DA ESCRITORA


Volto a ter a vida

Feliz que sempre tive
E quando chove
Que barulho em minha alma
Os pingos são palavras
Que preenchem vazios na terra
E cada letra tem a sua cor
Rimbaud só conhecia as vogais
Quão as vozes dos pássaros

Volto a ter a vida
Feliz como sempre tive
E quando esfria
Todas as nuanças e matizes
Colorem os quadros


As ruas silenciam (o que dizem?)
E quando é sol

Volto a ter a vida
Feliz que sempre tive

Um quadro na parede
É só um quadro
Um carro nesta rua
É só um carro
E não um desperdício

Os pingos são palavras
Que engordam os vazios


MARIA DO SOCORRO RICARDO





O SILÊNCIO da rua esconde-se em páginas de livros aprisionados em bibliotecas. (MARIA DO SOCORRO RICARDO)

QUEREM RESPOSTAS AS CIDADES SE PERGUNTAM MÃE-CIDADE
Poema de Marcello Ricardo Almeida

mãe-cidade traz o filho ao colo: ele acaba de nascer e irá devorá-la

ruas cheias de olhares vazios
em cidades desindistrualizadas
quem foram os pais fundadores
de seus modernos planejamentos
e acaso as cidades não tiveram
mães?
cidade massificada é uma fila
de quem primeiro chegou
cidade massificada é o fim
do velho individualismo
tudo é massa tudo se homo-
geneíza no espaço heterogêneo
onde nada mais será familiar
como foi em outro tempo
como foi em outra cidade

cidade perdida no tempo
tempo perdido na cidade
é o fim dos ideais dualistas
dos "bárbaros" e "não-bárbaros"

a elite sofre
com as cidades massificadas
dos concursos públicos
que combatem sr. nepotismo

cidades são úteros de deficientes
de doentes mentais

o urbanismo moderno, jane
jacobs, abandonou o lugar?

e o fim da cidade é a infocidade
e os guetos desinformacionais?

quem escreveu o texto clássico
sobre plano diretor urbano e as
docklands e a cidade da teoria
e as calçadas cheias de vida?

como serão as cidades amanhã, peter hall?

mike davis quis apontar o planeta favela
as cidades são bocas comedoras de gente
máquinas trituradoras de carne e ossos
curvas cimento vidro aço concreto armado

há cidades umas amebíases sem controle
outras silenciosas macilentas e tristes
cidade que devora cidade numa fomebicho
cidades na áfrica são a cara de supernovas
migrações de moradores de ruas sem favela
cidades que espera gente que veio pra perder
espaço periurbano tá cansado e encantou-se
os geógrafos já não fazem mais seus gráficos

nora destruiu a memória espontânea
e le goff fertilizou memória e história
fez da história e da memória quase u
ma só
a minha história a sua história a nossa história a história
história do tempo presente logo não haverá mais história

e o que é feito da ralé urbana
quando
se forma o círculo acadêmico?

howard sonha com cidade jardim
le corbusier com ville radieuse
burnham com city beautiful

o que preferem as crianças
banharem-se de playground
e parques, jane jacobs,
ou se fartarem de ruas

as cidades artificiais são dos turistas
as cidades dormitórios dos não-morcegos
a cidade engole e a mesma cidade cospe

áfrica subsaariana - américa - ásia ondestassuapobreza?

a página branca é essencial
se le corbusier é espaço abstrato


todo lugar é histórico
uns respeitam normas
pra outros que são anômicos
dizia o finado romero

camada por camada
sem vínculos burgueses
nem ranço aristocrático
ei-las
as novas-cidades

no rio de janeiro de barata ribeiro
a capital da república e dos cortiços
"o-cabeça-de-porco de 1893"
com a noite
chegaram a polícia e os bombeiros
como escreveu sidney chalhoub
cortiços e epidemias na corte imperial
reocupem depois o morro por trás
construam novas casinhas
no chamado morro-da-favela
habitem os egressos da campanha

de canudos (em 1897)
de cabeça-de-medusa

os jornais chamaram

o de cabeça-de-porco
e o prefeito barata personificava
a figura mitológica do grego perseu
o jb alertava o ressurgimento dos cortiços
como hidras nos 12 trabalhos de Hércules


sobre criminalidade
a inglesa mary carpenter
fala dos meninos de rua
como infância culpada (de 1840)
e lima barreto não é só literatura
é a história do brasil

quem primeiro começou a habitar
os cortiços no brasil foram estrangeiros
e os escravizados libertos e os não-libertos
uma espécie de moradia um gueto
com portões que se fecham à noite
como as classes em veneza cidade-estado
onde shakespeare ambientou seu
mercador


os escravizados longe de seus senhores
obtinham autorização pra viver-sobre-si
era tido por há-um-caminho-pra-liberdade
se não há febre amarela vem cólera
diziam os higienistas na corte imperial


e logo lhes chega a tísica como moléstia endêmica
no tempo em que as "classes pobres"
eram vistas "classes perigosas"


no projeto de posturas urbanas
no rio de janeiro do século XIX


o lixo se acumula


e o que diz a junta central de higiene

da illma. câmara?


quando o cargo de prefeito só viria em 1892


o que é estalagem?
o que é um cortiço?
pergunte a backheuser que dizia
"há cortiços onde se penetra com o lenço ao nariz
e de onde se sai cheio de náuseas"
era o resultado do crescimento da cidade
oprimido no déficit de moradias


o tempo em que deu-se à caça aos cortiços


enquanto newyork no mesmo século XIX
os imigrantes pobres e ex-escravizados
construíam "favelas" nos mangues
cobertos de terra e entulhos
onde habitava cada população em seu distrito
vieram o tifo a febre amarela o cólera
e durante as epidemias

quase toda novayork ficou fantasma


e neste outro lado da américa
no rj não se puxa mais vacas
de porta em porta
no riodejaneiro
pra se vender o leite na hora
depois do código de posturas
tudo em nome do comércio e da indústria
a imprensa instituiu a caça aos violões
não se cospe mais no chão dos bondes
nem se expõem mais "carnes à entrada dos açougues"
difícil será ver a "vadiagem de cachorros
soltos pelas ruas" nem "a falta de pintura
na fachadas dos prédios"
"a presença de entrudos e cordões no carnaval"
porque o brasil agora tem status "europeu"
ou no escrever de pamplona "civilizado"


novas palavras nascem na cidade
de arbustos no sertão nordestino
favela vira favelados aos ex-soldados
e a estes providenciaram o rj de 1897
aos que lutaram contra canudos
e vieram descansar da luta
nas encostas do morro da providência


e assim a semântica estigmatiza o urbano
com "slum" "favela" ou "dâhia" pra dizer subúrbio
ou periferia como espaço anárquico
e onde se construiu "mustachfâ" (árabe)
não é mais como se dizia "dâr al-chifâ"
porque "o lugar onde se busca a cura"
não é mais a "casa da cura" na turquia até 1945


lugares malditos
benditos lugares
onde o poeta vem
adocicar a estigma
que azedou o beco

língua - território – memória


no poema do beco manuel bandeira
que importa a paisagem a glória a baía
a linha do horizonte? se manuel o que vê
é o beco como se manuel bandeira co-
nhecesse porto alegre cortada por becos
beco estigmatização urbana


quem o higieniza povo do beco
o sol a luz a janela envidraçada(?)


cidade higiênica
cidade que se lava
que se banha
de carros de gente


a cidade é um corpo que adoece
e como corpo a cidade incha
no dizer de freyre que viu recife
inchar e não crescer e desenvolver-se


com metáforas orgânicas
mantém-se a sociedade
idéias políticas filosóficas
positivistas cientificistas


e como corpo a cidade tem artérias
e veias desde o século XVIII
desde o urbanismo do séc. XIX
cidade e biologia são gêmeas siameses


quase toda a cidade é cheia de anomalia
hipertrofia macrocefalia - ah sp

com suas doenças epidêmicas


onde fica o coração da cidade?
na boca
nos pés
nas pontas dos dedos as unhas


no urbanismo ordenado de le corbusier
os vasos capilares das cidades
tem que se transformarem em artérias
para não morrerem as grandes cidades (de 1923)


nas metáforas de geddes
as estradas de ferro
são artérias pulsantes
(e os fios telégrafos são nervos?)?


você com essa língua ligada
fala como se fosse cidade-fantasma
muitas cidades não passam de pústulas
outras têm tantos braços cobiças
cidade fábricamáquina no urbanismo funcionalista
algumas cidades são os esgotos do país


a cidade é o desejo
ou tudo será

como poe descreveu:
"um homem na multidão"
à procura de "a esfinge" e
encontra na cidade
"um aperto"


(?)
ou nada será
só um olhar
do alto
(?)


cada lugar no mundo com sua pobreza específica
umas favelas outras palafitas há os cortiços e slum
restos de madeiras de plásticos de latas de papelões
geração após geração chega o dia da laje na favela
favela da laje não é mais favela virou comunidade


a-n-a-l-f-a-b-e-t-i-s-m-o e 332 milhões de favelados


nenhum modelo serve à cidade que vai e volta só
dê-me motivos e farei a cidade crescer crescer cres-
cer crescer crescer crescer crescer crês até estourar
a economia da cidade não é proporcional ao bolso

de seus moradores enquanto não vier a luz do sol


cidades pós-modernizadas das desakotas
cidade de novo fenômeno campo-e-cidade
onde começa campo onde termina cidade
o que há de novo no fenômeno antigo
e o que há de antigo no fenômeno novo(?)
mocambos palafitas cortiços favelas cidade
não há mais fronteiras mike davis como fica
a velha e tradicional política na aldeia cidade(?)


o homem e a mulher - a pobreza da Cida
de se desenha há2séculos


ao invés de ocuparem calçadas
ocupam ruas competem com autos
no final dos anos os bairros eram sítios
criações de animais as casas predominavam de madeira
carros só variantes fuscas brasílias kombes
muitas bicicletas trafegavam nas estradas de paralelepípedos
os povos ainda hoje deixam as calçadas
pra andarem no meio de ruas :( os lugares da pobreza habitar
num complexo-de-carro :) ladeam-se-lhes megafavelas
as ruas foram tomadas por lojas de $1,99 - a favela domina a burguesia
e as casas tradicionais faliram - em montevidéu fantasmas criaram vida
desde o olhar das praças - igreja e pobres de aluguéis
das ruas das calçadas da cidade - estereótipo dos moradores sem dono
dos pontos de ônibus dos metrôs - moradias sobre os lixões gecekondus
as indústrias atraem com esperança de pão
com café em casa e cerveja no fim-de-semana
regados às frustrações do futebol - soweto de subúrbio a cidade-satélite


na urbanização capitalista pós-pós-liberal
e suas cidades-favelas de mike davis - e a geopolítica da fome de josué
impressiona a pobreza no mundo que

habita bizarras casas-túmulos no cairo - no cabo o levante das favelas


as mulheres estão frenéticas nas estradas
fogem de casa feito o capeta da cruz
entregam crianças às creches - padre lebret
deixam queimar o arroz do domingo (peace corps)

enchem de pernas a cidade num jogo de dominó
aquele grupo sentado em uma mesa vê tvgato

foi antes arrancado da vida do campo - dom helder
atraídos pelas luzes da cidade quais insetos
iludidos com o brilho - chegou luz na favela rabicho


a cidade não é um dois três quatro
são múltiplas

uma derramando outraoutrraoutra


e no sétimo dia veio o sublime na arquitetura
as máquinas e os manicômios as estações autoviárias
e os condomínios de operários desoperariados
e a presença do grotesco como revela maria stella
em "cultura e cidades" (leu quarto de despejo, carolina maria)
aqui construiremos o teatro-feijão-com-arroz e ali
será erguida a prefeitura e mais adiante a universidade
não se esqueçam do parlamento para parlamentar
ou querem mais alguma prova dos símbolos burgueses(?)
a mesma burguesia útero do homem-mecanicista


pode ser que você more como as brownstones do halem porque tem vergonha de seu país talvez você habite as georgians de Dublin só pra praticar uma língua estrangeira pode ser que você queira fugir pra Berlim e morar como os mietskaserne talvez você voe até o céu e aterrisse nos dumbblells do east side de ny


se não é um laissez-faire
é um self-help do salve-se quem puder

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