PADRE FRANCISCO
JOSÉ CORREIA DE ALBUQUERQUE
no método Teatro-Feijão-Com-Arroz
de Marcello Ricardo Almeida
peça
do poeta e dramaturgo homenageado no Calendário Cultural Santanense, 2022,
escritor e jornalista publicado na Revista de Teatro, da SBAT, RJ, 2002,
Marcello Ricardo Almeida
PADRE FRANCISCO JOSÉ CORREIA DE ALBUQUERQUE
no método Teatro-Feijão-Com-Arroz
de Marcello Ricardo Almeida
Personagens – Transeunte; Morador; Ator I; Ator II;
Teresinha; Francisquinho; Padre Escultor; os Fulni-Ô; Dom Perdigão; Padre
Francisco Correia.
Período – a ação passa-se hoje em Santana do
Ipanema, quando alguém pede informação sobre um nicho da memória afetiva da
cidade sertaneja.
SITUAÇÃO UM
FASE A – No palco, uma rua
conhecida de Santana do Ipanema
TRANSEUNTE
Acaso
sabe onde fica o Grupo Escolar Padre Francisco Correia?
MORADOR
Sei.
Mas, não é mais grupo escolar.
TRANSEUNTE
Não?
E onde fica?
MORADOR
Fica
no Monumento. Mas, agora, é Escola Estadual Padre Francisco Correia.
TRANSEUNTE
Escola
Estadual Padre Francisco Correia. É aqui perto?
MORADOR
Suba
a ladeira.
TRANSEUNTE
E
depois?
MORADOR
Passe
à Prefeitura, desse lado, e depois uma praça do outro.
TRANSEUNTE
Uma
praça e?
FASE B – Na plateia do
Teatro-Feijão-Com-Arroz
ATOR I
houve
um tempo no tempo de 1757
como
em 1757 outros nasceram
na
pequena Penedo daquele tempo
quieto
às margens do São Francisco
ATOR II
no
silêncio do velho canto Saboeiro
em
outro tempo era o ano de 1787
e
as águas do São Francisco trouxeram
o
padre nascido em Penedo à Ribeira
ATOR I
em
sua viagem de Penedo ao Sertão
Francisco
Correia com nome de rio
com
rio com nome de santo. Francisco
Correia
como as corredeiras em alusão
ATOR II
Padre
Francisco trazido pelas corredeiras
para
construir na pedra a primeira capela
Padre
Francisco um devoto de Santa Ana
ATOR I
o
rio que corta como faca com sua água
corta
rio com sua água escura de lâmina
escrevendo
páginas na história de Santana
ATOR II
Padre
Francisco Correia troca as cores
da
sua Penedo pelo semiárido sertanejo
venceu
Padre Francisco aroeira-do-sertão
caatingueira
baraúna imburana-de-cheiro
ATOR I
qual
Rio São Francisco também vencera
na
grande seca de 1807 muitas histórias
de
fome e tantas foram histórias de sede
ATOR II
e
a morte levou Padre Francisco Correia
em
1848 escultor em peças de madeira
sabe
que pássaro é aquele? não é uma ave?
é
acauã! acauã? que vem acordar a manhã
ATOR I
e
veio à história a história doutra história
e
Santana do Ipanema educou o sertanejo
na
cartilha do Grupo Padre Francisco Correia
SITUAÇÃO DOIS
FASE A – No palco, a infância
de Francisquinho
TERESINHA
Ó
Francisquinho!
FRANCISQUINHO
Que,
mãe?
TERESINHA
Sai
de cima dessa pedra, Francisquinho!
FRANCISQUINHO
Que,
mãe?
TERESINHA
Tu
vais te afoitar, o Rio São Francisco te pega, Francisquinho!
FRANCISQUINHO
Eu
vou pescar, senhora minha mãe.
TERESINHA
Pescar,
Francisquinho? E os estudos para ser padre?
FRANCISQUINHO
Vamos ter peixe no
almoço, Dona Teresinha! Jesus ensinou a Pedro onde jogar sua rede. Aqui não tem
peixe? O que importa é a fé.
TERESINHA
Ainda
te vejo estudando Direito Canônico na Universidade de Coimbra.
FASE B – Na plateia do
Teatro-Feijão-Com-Arroz
ATOR II
e
a vida levou Padre Francisco Correia
padre-rio
que corta quão faca com sua fala
corta
rio com sua água escura de lâmina
escrevendo
páginas na história de Santana.
ATOR I
e
há 200 anos veio à história a história doutra história ida
na
cartilha do Padre Francisco José Correia de Albuquerque
que
bem ali na Ribeira do Ipanema soprou o barro e fez vida
ATOR II
era
o ano de 1812
e
Francisquinho
chegou
para ficar
na
velha Ribeira
ATOR I
o caboclo e o vaqueiro
o amarelo e o mentiroso
e o criador de cavalos
e o tangedor de burros
e o domador de gados
colecionador de urros
a mulher pia e os filhos
o encantador de vento
o monarca e o escravo
as abelhinhas e o favo
o trabalho e a preguiça
a liberdade e o látego
ouviam as rezas do padre
ATOR I
Padre
Francisco fez amizade com povos Fulni-Ô
em
terras de gado do velho Martinho Rodrigues
ATOR II
e
nas terras sertanejas ditas terras de ninguém
de
bravatas de brigas de viajantes aventureiros
o
Padre Francisco Correia viajaria todo o Sertão
com
nome de rio que viajava em leito de pedra
Francisco
foi seu pai e franciscana a congregação
ATOR I
na
porta da capela senta-se o Padre Francisco Correia com Fulni-Ô
e
esculpe em madeira e enquanto trabalha compõe hinos de louvor
SITUAÇÃO TRÊS
FASE A – No palco, a oficina de
escultura do padre
PADRE ESCULTOR
Sabe
o que vai sair desta madeira, meu irmão?
FULNI-Ô
O
que, senhor padre?
PADRE ESCULTOR
Um
crucifixo.
FULNI-Ô
Crucifixo?
PADRE ESCULTOR
Esperem!
FULNI-Ô
Isso?
PADRE ESCULTOR
Estou
compondo.
Vem,
vem pecador
onde
é que te escondes?
teu
Senhor te chama
e
tu não respondes?
responde
a Jesus
que
já é tempo
não
confies na vida
que
é transitória
da
morte a lembrança
trazer
na memória
e
te chama desta cruz
quem
chama é Jesus
FULNI-Ô
Jesus?
PADRE ESCULTOR
No princípio, Deus
criou o céu e a Terra. A Terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam o
abismo e um vento impetuoso soprava sobre as águas. Deus disse: “Que exista
luz!” E a luz começou a existir. Deus viu que a luz era boa. E Deus separou a
luz das trevas: a luz Deus chamou “dia”, e às trevas chamou “noite”. Houve uma
tarde e uma manhã: foi o primeiro dia.
FULNI-Ô
Quem
vai ficar preso a esse madeiro?
PADRE ESCULTOR
Jesus,
o filho de Deus.
FULNI-Ô
E
o que ele fez pra merecer esse castigo?
FASE B – Na plateia do
Teatro-Feijão-Com-Arroz
ATOR I
à
porta da capela, a enxó batia na madeira e o padre com os Fulni-Ô
em
sua metafísica catequizava em sua catequese esculpia e pregava
ATOR II
aos
habitantes ribeirinhos do médio rio Ipanema
Funi-Ô!
Kariri! Cajaú! Carnijó! Iatê! Carijó!
todos
juntos ao padre eram parte de um povo só
ATOR I
dos
povos indígenas eram as árvores as aves
as
pedras as águas e tudo o que a terra produz
ATOR II
este
mesmo crucifixo do escultor
que
conversa com povos Fulni-Ô
encontra-se
no altar-mor da igreja
Matriz
Nossa Senhora Santana
ATOR I
outros
crucifixos e peças sacras
foram
esculpidos em madeira
pelo
Padre Francisco Correia
ATOR II
um
fato do padre milagroso
no
tempo das Santas Missões
o
missionário franciscano
de
nome Francisco Correia
como
Francisco foi seu pai
e
Francisco o rio em Penedo
antiga
e nativa terra franciscana
ATOR I
o
Brasil do tempo do Padre Francisco Correia
vivia
o tempo da escravização do semelhante
e
Aninha filha de escravizados na Vila de Propriá
criança
ainda propriedade do Sr. José Sutero de Góes
ATOR II
os
castigos do tempo de escravização
cantados
por Castro Alves o tronco
o
látego o pelourinho e o acoite
Aninha
recebera a missão de sua ama
de
levar ao padre nas Santas Missões
uma
terrina de louça coberta num pano
ATOR I
correu
e tropeçou a criança escravizada
porque
havia um buraco em seu caminho
a
terrina escapou de suas mãos de menina
ATOR II
quais
castigos não receberia a pobre Aninha?
chibatadas
lhe esperavam na casa de sua ama
ATOR I
senzalas
e casarões alusões aos castelos medievais
a
aristocracia burguesa como uma nobreza tardia
ATOR II
trêmula
de medo a menina Aninha corre e tropeça
contando
por certo ser castigada na casa grande
ATOR I
Padre
Francisco Correia de Albuquerque
como
alguns registraram os seus milagres
sabendo
do ocorrido com Aninha escrava
Ana
avó de Jesus Ana de sua devoção
Ana
a santa que daria nome a Ribeira
de
Ribeira para Santa Ana do Ipanema
ATOR II
disse
o Padre Francisco Correia
Aninha
junte os cacos da vasilha
una
uns aos outros e cubra-os
novamente
com a toalha de louça
ATOR I
a
fé de Aninha foi tanta e a alegria
como
tantos outros casos ocorridos
que
Aninha ao chegar à casa grande
onde
crime e castigo lhe seriam atribuídos
pôs
sobre a mesa a terrina sob a toalha
e
a descobriu e estava inteira quanto era
ATOR II
Padre
Francisco Correia abriu muitas Santas Missões
devotos
viajavam léguas para lhe ouvir as prédicas
ATOR I
Brejo
Grande conheceu o missionário Francisco Correia
e
também Girau do Ponciano e a Barra do Ipanema
e
Palmeira dos Índios e Águas Belas e Recife e Olinda
e
Pacatuba e Propriá e Porto da Folha e São Brás e Quebrangulo
e
Ribeira do Ipanema e Penedo e Papacaça e Junqueiro
e
Poço das Trincheiras e Anadia e Flores e Bezerros e Ingazeira
e
Baixa Verde e Serra Talhada
ATOR II
foi
no ano de 1838 que o Padre Francisco Correia
pacificou
os sebastianistas conhecidos revoltosos
da
Pedra do Reino Encantado de Dom Sebastião
SITUAÇÃO QUATRO
FASE A – No palco, na igreja de
Dom Perdigão
DOM PERDIGÃO
Padre
Francisco Correia, neste ano de 1835,
a paróquia de Flores o terá como vigário.
PADRE FRANCISCO CORREIA
Dom
João Marques Perdigão, aqui, eu ouvi falar no profeta João Ferreira.
DOM PERDIGÃO
Aquele chefe de seita
fez morrer, aqui em Pernambuco, mais de 50 fanáticos em terrível sacrifício.
FASE B – Na plateia do
Teatro-Feijão-Com-Arroz
ATOR I
contam
os biógrafos do padre
que
Dom João Marques Perdigão
com
ajuda de chefes políticos locais
confiou
ao Padre Francisco Correia
o
rebanho da paróquia de Flores
e
foi o Padre Francisco Correia
quem
pacificou a região zangada
pondo
fim à seita de João Ferreira
ATOR II
lutou
o padre a boa luta
lutou
Francisco Correia
contra
muitos adversários
de
El-rei o Dom João VI
ATOR I
outro
ano o Padre Francisco José Correia de Albuquerque foi eleito
membro
do Conselho Geral do Governo da Província de Alagoas
ATOR II
Padre
Francisco José Correia de Albuquerque
Deputado
Geral das Alagoas apresentou projeto
criava
a Freguesia de Santana da Ribeira do Ipanema
ATOR I
o
arquiteto o pintor Padre Francisco Correia o construtor
erguera
capela em Limoeiro de Anadia e também em outras vilas
foi
dele a primeira capeta de Santana que hoje é a Igreja Matriz
ATOR II
o
padre falecido em 1848
foi
sepultado na Capela
de
Nossa Senhora do Rosário
em
Bezerros Pernambuco
e
muitos foram os prodígios
do
Padre Francisco Correia
ATOR I
no
fim dos tempos idos de 1937
o
interventor Osman Loureiro decretou
chamar
uma escola em Santana do Ipanema
de
Grupo Escolar Padre Francisco Correia
SITUAÇÃO DERRADEIRA
FASE ÚNICA – No palco, na mesma rua
do princípio em Santana
MORADOR
Como é engraçado
quando se chega a uma cidade e se pergunta sobre um lugar e ninguém sabe onde ele
fica. Entendeu onde fica o velho Grupo Escolar Padre Francisco Correia?
TRANSEUNTE
Não
só entendi como sei parte de sua história.
MORADOR
Tudo
tem uma história.
TRANSEUNTE
E
sempre fica mais fácil, quando se conhece a história.